POR QUE ESTÁ CHORANDO, MEU AMOR? José Claudio da Silva

 Rodovia Anhanguera. Meia-noite. 

O carro avançava, em alta velocidade, comendo a escuridão. Dentro dele, um casal. A jovem chorava. 

- Não chore, Marta. Eu te amo. Vou me casar com você. 

- Mas você é casado. 

- Pedirei divórcio. 

- Não acredito em você. Estamos nessa vida há três anos. Você só sabe fazer promessas. Não cumpre nenhuma. 

-Agora é diferente. 

-Por que? 

-Você...

- Eu já abortei duas vezes por sua causa. Já tenho meu lugar reservado no inferno. 

-Não fale assim. 

- Por que não? É a verdade. Você quer que eu aborte mais uma vez?  Eu te amo, mas não posso continuar vivendo assim. 

- Vamos entrar num motel para conversarmos. 

- Estou bem aqui. 

- Não posso conversar e dirigir ao mesmo tempo. 

Entraram num motel. Desceram do carro. Deitaram-se na cama. 

-Eu te amo, Marta. 

-Não quero nada com você. 

-Marta...

-Raul... Por que será que você sempre consegue o que quer de mim? 

-Porque fazer amor é bom. 

- Mas... e a responsabilidade. Fui eu que sofri os abortos. A dor da perda, o vazio, a depressão. Eu já sinto o fogo do inferno queimando a minha alma. 

-Não fale assim. 

 - Você só sabe dizer isso. Tenho certeza que logo serei trocada por outra mais nova. Estou envelhecendo antes do tempo. Nem parece que tenho vinte e quatro anos. Minha alma é de uma anciã. 

- Marta... 

- É verdade. Mas tenha certeza de uma coisa. Se você me abandonar eu me mato e voltarei do inferno para infernizar sua vida. Não vou sofrer sozinha. 

- Marta, eu te amo. Nunca abandonarei você. 

No dia seguinte, Raul a deixou na rodoviária e dirigiu-se para a sua casa. Sua esposa e seus dois filhos o receberão de braços abertos. Marta saiu da rodoviária e pegou um ônibus. Meia hora depois, desceu e caminhou até a sua casa. Seus pais ainda dormiam. Melhor assim. 

Raul entrou em sua casa pensando que precisava arrumar um modo de se livrar de Marta. Já estava cheio dela. Engordara e não tinha mais graça na cama. Como acabar com tudo sem perder nada? 

Marta entrou em casa. Sabia que perdera a sua juventude nas mãos de Raul. Amou o homem errado. Entregou seu amor, sua juventude, seu corpo, tudo. O que recebeu em troca? Nada. Sabia que só iria vê-lo novamente dentro de um mês. Até lá teria que fazer outro aborto. O último com certeza. Não se deixaria mais enganar pelo Raul. Principalmente com a história de que fazer amor é bom. 

Um mês depois estavam no mesmo carro, na mesma rodovia, na mesma hora. Só Raul e Marta não eram os mesmos. 

- Marta, espero que você entenda o que vou lhe dizer...- Minha esposa esta desconfiada dessas viagens. Precisamos parar de nos encontrar por um tempo. 

-Você quer me abandonar? 

-Não! Apenas parar de nos ver. 

- É a mesma coisa. Você já arrumou outra para me substituir? 

-Não, Marta. Eu te amo! 

-Então fique comigo e com o nosso filho. 

-Você não abortou? 

- Não. Você nem presta atenção em mim. Nem percebeu. 

-Por que você está agindo assim? 

-Porque quero! 

-Você só complica a situação. 

-Que situação? 

-A nossa! 

-Nós temos alguma situação? 

-Marta, seja razoável. ... -Não quero mais ver você. 

O carro estava a cento e quarenta quilômetros na Anhanguera. Marta, sem pensar, pulou para cima de Raul. Ele gritou. Marta não saiu. Perdeu a direção e caiu num barranco. Capotou várias vezes. Raul nada sofreu. Teve muita sorte. Soltou o cinto de segurança e saiu do carro. Mesmo na escuridão, viu o corpo de Marta. Ela estava morta. Arrastou o corpo para longe. Pegou uma pá de jardim que estava no porta-malas e cavou um buraco. Jogou o corpo de Marta nele e enterrou. 

Eram duas horas. Voltou para o carro. Subiu até a rodovia e pediu socorro. Um carro parou. Pelo telefone celular, o motorista chamou a polícia rodoviária. Raul disse que estava sozinho. Foi levado para o hospital e seu carro rebocado. 

Um mês depois, a vida voltou ao normal para Raul. Marta era apenas uma lembrança remota. Todos pensavam que ela fugira da cidade porque estava grávida. Ninguém sabia dos dois. 

Raul tem dois filhos. O menino sete e a menina cinco anos. Ele é louco pelos dois. Num domingo à tarde a menina se queixou de dor de cabeça. Raul telefonou para o pediatra e marcou uma consulta para o dia seguinte. Foi até a farmácia e comprou o remédio receitado pelo médico. Meia-noite, a menina estava ardendo em febre. Parecia que ia pegar fogo. Raul a levou para o hospital. Os médicos tentaram de tudo para fazer a febre baixar e não conseguiram. Colocaram a menina na UTI. Raul estava desesperado. Saiu do hospital e caminhou até uma praça em frente. Sentou-se no banco. Colocou as mãos no rosto e chorou. Uma voz... -Por que está chorando, meu amor? Assustado, Raul levantou a cabeça e viu um vulto branco se afastando. 

Pensou que era uma enfermeira. Afinal, todas usam roupa branca. Mas ele conhecia aquela voz. Seu coração desabou num abismo profundo e frio... Marta. Levantou e entrou no hospital. Subiu as escadas vagarosamente. O mau pressentimento enchia seu coração. Quando entrou no corredor viu sua esposa gritando e sendo amparada por duas enfermeiras. Eram duas horas. Sua filha falecera. Raul olhou para a outra ponta do corredor e viu um vulto branco se afastando e dentro de sua cabeça ouviu: -Por que está chorando, meu amor? 

Raul abraçou sua esposa e a levou para casa. No dia seguinte cumpriu a mais dolorosa tarefa de sua vida. Enterrou sua amada filha. No cemitério viu o vulto branco. Fechou os olhos. A esposa de Raul, depois de três meses chorando sem parar, foi internada num sanatório. A dor da perda da filha causou-lhe distúrbios psicológicos graves. Passava o dia inteiro chamando pela filha. Raul viu a sua vida se tornar um inferno. Ele se lembrou das palavras de Marta. “tenha certeza de uma coisa. Se você me abandonar eu me mato. Volto do inferno para infernizar sua vida. Não vou sofrer sozinha.” 

Seria possível? Não podia ser. Era apenas mera coincidência. Marta morreu. 

Raul mudou de casa. Uma ideia atormentava seus dias e noites. Se não foi coincidência, Marta voltará para continuar sua vingança. O que fazer para evitar? Não sabia. Só restava esperar e rezar ainda que não tivesse  fé. 

Num domingo à noite, Raul estava na sala assistindo televisão. No quarto, Felipe, seu filho, jogava videogame. A empregada estava assistindo televisão no quarto dela. Sua filha morrera e sua vida perdera o sentido. Vivia como um vegetal. Comia, bebia, trabalhava, dormia. Não tinha mais prazer em nada. Nem pensava em nada que lhe desse prazer. Vida seca, vazia, opaca, triste. Fingia que estava alegre quando seu filho estava por perto. Sempre que o via, seu coração se apertava e desabava no abismo da mesma forma que no dia em que sua filha morrera. Como Deus permitia uma coisa dessa? 

Era janeiro. A noite de verão estava quente. Mas a casa estava fria. Assim como seu coração e sua alma. Assistia televisão quando sentiu um calafrio. Olhou para a porta e viu um vulto branco. Piscou e não viu mais. A energia acabara. Tudo ficou imerso na escuridão. Atropelando os móveis, Raul correu para o quarto de seu filho. Entrou. Silêncio, frio e escuridão. Gritou seu nome. Nenhuma resposta. 

Correu para a cozinha se machucando nas coisas. Procurou desesperadamente fósforo e vela. Acendeu e correu para o quarto. Na porta encontrou a empregada com uma vela na mão e os olhos arregalados. Olhou para onde ela estava olhando e viu uma sombra tão negra que se arrepiou todo. A sombra se destacava na escuridão do quarto. Felipe estava aos pés da sombra, desacordado. Raul gritou e correu até seu filho. Ele estava branco e frio. 

A voz de Marta invadiu seu ser. 

 - Por que está chorando, meu amor? . 

- Nãooooooo!!!!!!!!!!!! 

Gritou com a força de seu desespero, enquanto abraçava seu filho morto.

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