Os alunos do Colégio Lapa estavam sentados nas mesas da lanchonete em frente à escola.
Bebiam sucos e refrigerantes. Fumavam. As conversas eram cheias de palavrões e gritos. Alguns estavam sentados na calçada conversando com os airpods nos ouvidos. Outros olhavam mangás. Mais afastados, outros, com cadernos abertos, copiavam lição, versos ou desenhavam. Casais trocavam beijos.
Numa das mesas da lanchonete, cinco colegas de classe do terceiro ano conversavam. Estavam revoltados, furiosos, enfurecidos. Mas conversavam baixo. Seus olhos estavam vermelhos, demonstrando que choraram muito. Foram reprovados na escola. Teriam que cursar novamente o terceiro ano e postergar o ingresso na faculdade.
A conversa deles tinha como objetivo planejar a vingança contra a professora que, na opinião deles, liderou a reprovação. Como se a reprovação se devesse unicamente pela vontade de uma professora e não pela vontade deles mesmos.
Queriam algo que não lhes trouxessem problemas com a polícia. Algo que caísse fundo no espírito da professora e ela nunca mais lecionasse na vida. Precisaria ser algo extraordinariamente maléfico para o ânimo da professora. E que só ela pudesse sentir, em toda a profundidade, a angústia de viver com um medo permanente na alma.
As ideias eram muitas: cortar as orelhas do filho. Ela não tinha filhos. Arrumar uma amante para o marido. Ela não era casada e não tinha namorado. Muitas ideias estapafúrdias saíram das cabeças privilegiadas. Até que um perguntou:
-Qual é o maior medo do homem?
-Impotência.
- Não. Ela é mulher. O medo de qualquer pessoa?
-A morte.
-É. Precisamos pensar em algo que a faça ficar aterrorizada. Mas tem ser algo psicológico, não físico. Onde mora a morte?
-No cemitério.
- Devemos fazer algo que a faça sentir o medo e que ele entre na vida da professora e viva com ela para sempre.
- Que tal desenterrarmos uma cova recente e colocarmos o caixão com o defunto dentro da casa dela?
- E deixaremos um cartão desejando uma feliz morte.
-Ótima ideia!
-Todos concordam?
-Sim!
- Vamos começar hoje mesmo.
Às onze horas nós nos encontraremos aqui e iremos ao Cemitério da Lapa roubar uma sepultura. Depois colocaremos dentro da casa da professora com o cartão.
-Você sabe onde ela mora?
-Vamos olhar no catálogo telefônico.
-Carai! Isso ainda existe?
-Por aí, não. Mas na casa da minha avó tem umas páginas amarelas desbotadas que darão pro gasto.
Combinaram os detalhes do plano. Onze e trinta da noite. Chovia. Os cincos estavam dentro do Cemitério da Lapa. Uma lanterna iluminava o caminho. Procuravam um túmulo recém aberto. Todos sentiam medo, mas ninguém dava o braço a torcer. Ouviram o pio de uma coruja. Arrepiaram-se e tremeram. Em suas mentes estavam arrependidos. Já não queriam mais se vingar. Foi o calor da hora e da notícia da reprovação. Eles foram avisados o ano inteiro de que se não estudassem seriamente seriam reprovados. Não acreditaram. A culpa era deles.
Agora estavam ali no frio, sob uma chuva fininha que começa a cair, num cemitério, quase meia-noite. Outro pio de coruja. Dessa vez mais perto. Instintivamente se aproximam uns dos outros. A lanterna iluminava pouco. A chuva estava espessa agora. A umidade envolvia a todos e enchia os tênis de barro e água.
-Ali tem uma.
-Onde?
-Ali. Naquele canto perto do muro.
Pegaram a coroa de flores e jogaram para o lado. As pás começaram a cavar. A terra molhada dificultava o trabalho. Chegaram ao caixão. Retiraram da cova. Resolveram cortar caminho pelos fundos do cemitério. Caminharam segurando as alças do caixão. O barro deixava os tênis pesados. Caminhavam lentamente em meio à escuridão e à chuva forte.
Não viram que havia um buraco com um plástico preto tampando a sua boca. O buraco fora feito para canalizar as águas das chuvas. Mas as obras foram interrompidas. Toda a terra retirada estava na borda do buraco. Uma montanha de terra.
O primeiro se desequilibrou soltou a alça e se segurou no segundo, que se segurou no terceiro, que se segurou no quarto, que se segurou no quinto e todos caíram dentro do buraco. O caixão se abriu na queda e o corpo de uma mulher jovem rolou para fora do caixão.
Desesperados, no escuro, tentavam escalar as paredes, mas não conseguiam. Várias tentativas. Nada. Ouviram, num relógio distante, as badaladas da meia-noite. A chuva caía mais forte. Ganhava corpo e caía torrencialmente, forte, furiosa, carregando tudo o que encontrava pela frente. Nesse noite, vários bairros foram alagados.
Ensopados e enlameados gritavam por socorro. A montanha de terra que estava na borda do buraco começou a deslizar para dentro dele.
De repente, a terra toda desabou sobre eles.
Todos morreram soterrados.