Carlos Maria é que não tem consideração a nenhum deles. Examinai-o bem; é um
galhardo rapaz de olhos grandes e plácidos, muito senhor de si, ainda mais senhor dos
outros. Olha de cima; não tem o riso jovial, mas escarninho. Agora, ao sentar-se à mesa,
ao pegar no talher, ao abrir o guardanapo, em tudo se vê que ele está fazendo um insigne
favor ao dono da casa, — talvez dois, — o de lhe comer o almoço, e o de lhe não
chamar pascácio.
E, malgrado essa disparidade de caracteres, o almoço foi alegre. Freitas
devorava, com alguma pausa é certo, — e, confessando a si mesmo que o almoço, se
tivesse vindo à hora marcada (onze) talvez não trouxesse o mesmo sabor. Agora orçava
pelos primeiros bocados que acodem à fome do náufrago. Ao cabo de uns dez minutos,
pôde começar a falar, cheio de riso, multiplicando-se em gestos e olhares, desfiando um
rosário de ditos agudos e anedotas picarescas. Carlos Maria ouviu a maior parte deles
com seriedade, para humilhá-lo, a ponto que o Rubião, que realmente achava graça no
Freitas, já não ousava rir. Para o fim do almoço, Carlos Maria afrouxou um tanto a
gravata do espírito, expandiu-se, referiu algumas aventuras amorosas de outros; Freitas,
para lisonjeá-lo, pediu-lhe uma ou duas dele mesmo. Carlos Maria estourou de riso.
— Que papel quer o senhor que eu faça? disse ele.
Freitas explicou-se; não era uma apologia, eram fatos, pedia-lhe fatos; não havia
inconveniente, nem ninguém era capaz de supor.
— O senhor dá-se bem com a residência aqui em Botafogo? interrompeu Carlos
Maria dirigindo-se ao dono da casa.
Freitas, interrompido, mordeu os beiços, e, pela segunda vez, mandou o moço ao
diabo. Colou-se ao espaldar, teso, grave, olhando para um painel da parede. Rubião
respondeu que se dava bem, que a praia era linda.
— A vista é bonita, mas nunca pude tolerar o mau cheiro que há aqui, em certas
ocasiões, disse Carlos Maria. Que lhe parece? continuou voltando-se para o Freitas.
Freitas desencostou-se, e disse tudo o que pensava, que um e outro podiam ter
razão; — mas insistiu em que a praia, a despeito de tudo, era magnífica; discorreu sem
amuo, nem vexame; fez até o obséquio de chamar a atenção de Carlos Maria para um
pedacinho de fruta que lhe ficara na ponta do bigode.
Chegaram ao fim, era pouco mais de uma hora. Rubião, calado, recompunha
mentalmente o almoço, prato a prato, via com gosto os copos e os seus resíduos de
vinho, as migalhas esparsas, o aspecto final da mesa, em vésperas do café. De quando
em quando dava um olhar à casaca do criado. Chegou a apanhar o rosto de Carlos Maria
em flagrante prazer, quando tirava as primeiras fumaças de um dos charutos que ele
mandara distribuir. Nisto entrou o criado com uma cestinha coberta por um lenço de
cambraia, e uma carta, que acabavam de trazer.
Quincas Borba - Machado de Assis - Fuvest 21 - Capítulo 31
QUERES o avesso disso, leitor curioso? Vê este outro convidado para o almoço, Carlos
Maria. Se aquele tem os modos “expansivos” e francos”, — no bom sentido laudatório,
— claro é que ele os tem contrários. Assim, não te custará nada vê-lo entrar na sala,
lento, frio e superior, ser apresentado ao Freitas, olhando para outra parte. Freitas que já
o mandou cordialmente ao diabo por causa da demora (é perto do meio-dia), corteja-o
agora rasgadamente, com grandes aleluias íntimas.
Também podes ver por ti mesmo que o nosso Rubião, se gosta mais do Freitas,
tem o outro em maior consideração; esperou-o até agora, e esperá-lo-ia até amanhã.
Agora é Lei: Toda mulher tem direito a acompanhante maior de idade em consultas, exames e cirurgias
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