— Morreu cônego. Era homem de bons costumes, mas amigo de ver moças
bonitas, como se mira um painel de mestre; e que maior mestre que Deus? dizia ele.
Esta Dona Sofia, por exemplo, nunca ele a viu na rua que me não dissesse: Hoje vi
aquela bonita senhora do Palha... Morreu cônego; era filho de Saquarema... E, na
verdade, tinha bom gosto... Realmente, a mulher do nosso Palha, é um primor, bela de
cara e de figura; eu ainda a acho mais bem feita que bonita...Que lhe parece?
— Parece que sim...
— E boa pessoa, excelente dona de casa, continuou o major acendendo um
charuto.
A luz do fósforo deu à cara do major uma expressão de escárnio ou de outra
coisa menos dura, mas não menos adversa. Rubião sentiu correr-lhe um frio pela
espinha. Teria ouvido? visto? adivinhado? Estava ali um indiscreto, um mexeriqueiro?
A cara do homem dizia que sim e que não; em todo caso, era mais seguro crer no pior.
Aqui temos o nosso herói como alguém que, depois de navegar cosido com a praia,
longos anos, acha-se um dia entre as ondas do alto mar; felizmente o medo também é
oficial de idéia, e deu-lhe ali uma, lisonjear o interlocutor. Não hesitou em achá-lo
gracioso e interessante, e dizer-lhe que tinha uma casa às suas ordens, na Praia de
Botafogo, número tantos. Dava-lhe muita honra em travar relações com ele. Contava
poucos amigos aqui: o Palha, a quem devia grandes obséquios, — Dona Sofia que era
uma senhora de rara gravidade, e mais três ou quatro pessoas. Vivia só; podia ser até
que se retirasse para Minas.
— Já?
— Não digo já, mas pode ser que me não demore. Sabe que uma pessoa que
viveu toda a sua vida em um lugar, custa-lhe muito a acostumar-se em outro.
— Isso conforme.
— Sim, conforme... Mas é a regra.
— Regra será, mas o senhor vai ser uma exceção. A Corte é o diabo; apanha-se
uma paixão como se apanha uma constipação; basta uma fresta de ar, fica-se perdido.
Olhe, eu não me dava de apostar que o senhor, antes de seis meses, está casado...
— Não viu nada, pensou Rubião.
E depois, alegre:
— Pode ser, mas também em Minas há casamentos; nem lá faltam padres.
— Falta o padre Mendes, acudiu rindo o major.
Rubião sorriu constrangido, não entendendo se a palavra do major era inocente
ou maliciosa. Este é que colheu as rédeas ao assunto, e tratou de outras coisas, do
tempo, da cidade, do ministério, da guerra. e do marechal Lopez. E vede o contraste da
ocasião: esse aguaceiro, maior que o da entrada, pareceu um raio de sol ao nosso
Rubião. Ei-lo que espaneja a alma ao calor do discurso infinito do major, intercalando
alguma palavrinha, se pode, e sempre cabeceando com aplauso. E pensava outra vez que
não, que ele não vira nada.
— Papai! Papai está aí? disse uma voz à porta que dava para o jardim.
Era Dona Tonica; vinha chamá-lo para irem embora. O chá estava na mesa, é
verdade; mas não podia esperar mais, tinha dor de cabeça, disse ela ao pai, baixinho.
Depois estendeu os dedos ao Rubião; este pediu-lhe que ficasse ainda alguns minutos; o
estimável major...
— Perde o seu tempo, interrompeu o major; ela é que me governa.
Rubião ofereceu-lhe a casa com instância; exigiu até que lhe marcasse um dia.
naquela mesma semana, mas o major acudiu que não podia dispor de dia certo; iria, logo
que lhe fosse possível. A vida dele era muito trabalhosa; tinha os negócios do arsenal,
que já eram muitos, e tinha mais...
— Papai! vamos!
— Vamos. Está vendo? Não posso conversar um instante. Já te despediste?
Onde está o meu chapéu?