CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
NISTO passou um rapaz alto, que a cortejou sorrindo e vagarosamente. Sofia cortejou-o
também, um pouco espantada da pessoa e da ação.
— Quem é este sujeito? pensou ela.
E entrou a cogitar donde é que o conhecia, porque, em verdade, a cara não lhe
era estranha, nem as maneiras, nem os olhos plácidos e grandes. Onde que o teria visto?
Percorreu várias casas, sem acertar com a verdadeira; afinal pensou em certo baile, —
no mês anterior, — em casa de um advogado que fazia anos. Era isso; viu-o lá,
dançaram uma quadrilha, por simples condescendência dele, que não dançava nunca;
lembrava-se de lhe ter ouvido muitas coisas agradáveis, relativamente à beleza da
mulher, que, dizia ele, consistia principalmente nos olhos e nos ombros. Os dela, como
sabemos, eram magníficos. E quase não tratou de outra coisa, — os ombros e os olhos;
— a propósito de uns e outros contou várias anedotas sucedidas com ele, algumas sem
interesse, mas falava tão bem! e o assunto era tão dela! É verdade; lembrava-se agora
que, apenas ele a deixou, Palha veio ter com ela, sentou-se na cadeira, ao lado, e disselhe o nome do rapaz, porque ela não ouvira bem à pessoa que lho apresentara: era
Carlos Maria, — o próprio do almoço do nosso Rubião.
— É a primeira figura do salão, disse-lhe o marido com orgulho de ver que se
ocupara tanto tempo com ela.
— Entre os homens, explicou Sofia.
— Entre as senhoras és tu, acudiu ele mirando-se no colo da mulher, e
circulando depois os olhos pela sala, com uma expressão de posse e domínio, que a
mulher já conhecia e que lhe fazia bem.
Quando acabou de recordar tudo, já iria longe o rapaz; ao menos, foi uma
interrupção na série de tédios que lhe tomavam a alma. Tinha uma dor nas costas, que se
calara por instantes. Voltou logo, teimosa, aborrecida; Sofia reclinou-se na cadeira e
fechou os olhos. Quis ver se passava pelo sono, mas não pôde. Os pensamentos eram
tão teimosos como a dor, e ainda mais ruins que ela. De quando em quando um bater de
asas, rápido, quebrava o silêncio: eram as pombas de uma casa vizinha que tornavam ao
pombal. Sofia a princípio abriu os olhos, umas duas vezes; depois, acostumou-se ao
rumor, e deixou-os fechados, a ver se dormia. Passado algum tempo, ouviu passos na
rua, e levantou a cabeça, supondo que era Carlos Maria que regressava; era um carteiro
que lhe trazia uma carta da roça. Entregou-lha em mão. Ao sair do jardim, tropeçou o
carteiro no pé de um banco e caiu de bruços, espalhando as cartas no chão. Sofia não
pôde conter o riso.
CAPÍTULO 53
PERDOEM-LHE esse riso. Bem sei que o desassossego, a noite mal passada, o terror da
opinião, tudo contrasta com esse riso inoportuno. Mas, leitora amada, talvez a senhora
nunca visse cair um carteiro. Os deuses de Homero, — e mais eram deuses, — debatiam
uma vez no Olimpo, gravemente, e até furiosamente. A orgulhosa Juno, ciosa dos
colóquios de Tétis e Júpiter em favor de Aquiles, interrompe o filho de Saturno. Júpiter
troveja e ameaça; a esposa treme de cólera. Os outros gemem e suspiram. Mas quando
Vulcano pega da urna de néctar, e vai coxeando servir a todos, rompe no Olimpo uma
enorme gargalhada inextinguível. Por quê? Senhora minha, com certeza nunca viu cair
um carteiro.
Às vezes, nem é preciso que ele caia; outras vezes nem é sequer preciso que
exista. Basta imaginá-lo ou recordá-lo A sombra da sombra de uma lembrança grotesca
projeta-se no meio da paixão mais aborrecível, e o sorriso vem às vezes à tona da cara,
leve que seja,— um nada. Deixemo-la rir, e ler a sua carta da roça.