O Mato - Rubem Braga
Veio o vento frio, e depois o temporal noturno, e
depois da lenta chuva que passou toda a manhã caindo
e ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade
entardeceu. Então o homem esqueceu o trabalho e as
promissórias, esqueceu a condução e o telefone e o
asfalto, e saiu andando lentamente por aquele morro
coberto de um mato viçoso, perto de sua casa. O capim
cheio de água molhava seu sapato e as pernas da calça;
o mato escurecia sem vaga-lumes nem grilos.
Pôs a mão no tronco de uma árvore pequena,
sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara as
gotas de água como se fosse uma bênção. Ali perto
mesmo a cidade murmurava, estava com seus ruídos
vespertinos, ranger de bondes, buzinar impaciente de
carros, vozes indistintas; mas ele via apenas algumas
árvores, um canto de mato, uma pedra escura. Ali
perto, dentro de um casa fechada, um telefone batia,
silenciava, batia outra vez, interminável, paciente,
melancólico. Alguém, com certeza já sem esperança,
insistia em querer falar com alguém.
Por um instante, o homem voltou seu pensamento
para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em
vão em um dos milhões de atos falhados da vida
urbana. Pensou no desgaste nervoso dessa vida, nos
desencontros, nas incertezas, no jogo de ambição e
vaidades, na procura de amor e de importância, caça ao
dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que, de todas as
grandes cidades do mundo, o Rio é a única a permitir a
evasão fácil para o mar e a floresta. Ele estava ali num
desses limites entre a cidade dos homens e a natureza
pura; ainda pensava em seus problemas urbanos -
mas um camaleão correu de súbito, um passarinho piou
triste em algum ramo, e o homem ficou atento àquela
humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida
das árvores, e à pedra escura, com sua pele de musgo e
seu misterioso coração mineral.
E pouco a pouco ele foi sentindo uma paz naquele
começo de escuridão, sentiu vontade de deitar e dormir
entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser
vegetal, num grande sossego, farto de terra e água;
ficaria verde, emitiria raízes e folhas, seu tronco escuro,
grosso, seus ramos formariam copa densa, e ele seria,
sem angústia nem amor, sem desejo nem frieza, forte,
quieto, imóvel, feliz.
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