Paulo tinha seis anos incompletos;
tinha só quatro o louro e gentil Mário.
Foram à biblioteca, sorrateiros,
e ficaram instantes, mudos, quietos,
a espreitar se alguém vinha;
então, ligeiros como o vento,
correram p'ra o armário,
que encerrava os volumes cobiçados:
eram dois grandes livros encarnados,
cheios de formosíssimas gravuras,
mas pesados, meu Deus!
0s pequeninos porfiavam, cansados,
vermelhitos, por tirá-los da estante. Que torturas!
'Stavam tão apertados, os malditos!
Enfim, venceram não sem ter lutado...
Paulo entalou um dedo, o irmãozinho,
ao desprender os livros, coitadinho!
cambaleou, e foi cair... sentado.
Não choraram: beijaram-se contentes
e Paulo disse a Mário: Que bellote!
vamos ver à vontade o D. Quixote,
sem os ralhos ouvir, impertinentes,
da avó, que adormeceu.
Oh! que ventura!
Mário, tu não te mexas, fica atento:
eu vou mostrar-te estampas bem pintadas
com uma condição: cada figura
há de trazer ao nosso pensamento
uma dessas partidas engraçadas, que eu sei fazer.
Serve-te assim?
— 'Stá dito.
Oh! que homenzinho magro!
Que esquisito! Quem é?
— É D. Quixote. — o barrigudo é dona Sancha,
que a mamãe me disse.
— Dona Sancha é mulher.
Oh! que tolice! O nome que ele tem, bobo, é Pançudo.
— Que está fazendo o padre na cadeira, a entregar tanto livro à rapariga?
— São livros maus, que vão para a fogueira.
— Quais são os livros maus?
— Não sei, mas penso que devem ser os que não têm dourados nem pinturas.
Por mais que o papai diga que o livro é sempre bom, não me convenço.
— Ouves? Chamam por ti, fomos pilhados!
— Meu Deus, como há de ser?
Mário, depressa, vamos arrumar isto; assim.
— Não cessa de chamar-nos a avó!
— Pronto.
— Inda faltam três livros.
— Já não cabem.
— Que canseira!
— Têm figuras?
— Não têm.
— Capas bonitas?
— Também não têm.
— Então são maus e saltam pela janela: atira-os à fogueira.
Eram Sêneca, Eurico e Os jesuítas.
Escaparam do fogo os condenados,
ficando um tanto ou quanto amarrotados.
Salvou-os o papai, mas impiedoso,
fechou a biblioteca, e rigoroso condenou os dois réus, feroz juiz!
A soletrar...
os Contos Infantis