- É o maior mistério se há vida após a morte.
- Ninguém voltou para dizer o que realmente tem do outro lado.
-Eu tenho a maior curiosidade em saber como é do outro lado. Sem morrer, é claro. -Vamos fazer um pacto?
-Qual?
- Se um de nós morrer, voltará para dizer como é o outro lado – disse Jurandir.
- Você está louco! Quero distância deste assunto.
-Como é, ninguém topa?
-... .
-Nem você, Jorge?
-Não sei...
-Você não tem curiosidade?
-Todo mundo tem.
-Então?
-Não me coloque nisso! Um dos amigos já se manifestou.
-Eu topo – disse Jorge.
-Que fique só entre os dois. Falou outro dos motoqueiros.
-Certo.
Longe dali o relógio da igreja marcava meia-noite. Passaram a falar de mulheres e futebol. As horas avançaram e todos voltaram para suas casas. Mais uma semana de trabalho. Outros encontros no bar e o assunto não voltou mais a ser discutido.
Meses depois, quando estavam no bar, Jorge chegou correndo apavorado.
- Sabem quem morreu num acidente com a moto?
-Quem?
-Jurandir!
-Nossa! Onde foi?
-Em Guarulhos. Ele bateu na traseira de um caminhão.
-Onde está o corpo?
-No velório do Cemitério da Lapa.
-Vamos para lá.
- Vocês se lembram da nossa conversa sobre vida após a morte.
-É mesmo. Vocês combinaram que quem morresse viria dizer ao outro se há algo após a morte. Pura besteira de bêbados.
-Será besteira mesmo?
-Não sei.. Mas deixa disso! - Vamos ao velório nos despedir do amigo.
-Eu não vou.
-Está com medo?
-Não.
- Então vamos.
Pegaram as motos e foram para o velório.
Chegando lá, Jorge tremia. Aproximaram-se do caixão. Cumprimentaram a mãe e o pai do Jurandir. As conversas nos pequenos grupos tinham a morte como assunto. Jorge, branco como um papel,falou do pacto com o amigo. Um do grupo disse:
-Vá até o caixão. Coloque a mão no pé direito dele e reza um Pai Nosso. Assim ele não voltará. Jorge caminhou até o caixão. Disfarçando, colocou a mão no pé do morto e rezou. Não um, mas dez.
-Será que dará certo?
-Não.
-Por que? Eu fiz o que você disse!
-Você segurou o pé esquerdo do morto e isto significa que você quer ir com ele. Você rezou para isso. Confirmou o trato e ele não só virá lhe dizer como é, mas também levará você com ele para o outro lado.
Jorge sentiu o mundo girar. Quase desmaiou.
Jurandir foi enterrado. Jorge não compareceu ao enterro. Os amigos não ficaram chateados porque entenderam o medo dele. Quando saiu do cemitério, Jorge foi até a igreja da Lapa. Passou o dia inteiro rezando e fazendo promessas. A noite chegou e o pegou ainda na igreja. Jorge voltou para casa.
- Jorge, onde você esteve o dia inteiro? Você não foi ao enterro do Jurandir? Jorge se benzeu.
- Fui, mãe. Só não quis olhar de perto.
- Venha jantar.
- Não estou com fome.
- Você está se sentindo bem?
-Está tudo bem, mãe.
Os irmãos de Jorge chegaram comentado sobre a morte do Jurandir. Pálido, Jorge foi para o quarto. Entrou, acendeu a luz e se deitou. O tic-tac do relógio o deixava nervoso. Tirou as pilhas do relógio para ele parar de trabalhar. Aos poucos a casa foi ficando silenciosa.
Dois meses se passaram. Jorge não se alimentava, não dormia direito. Não saía mais de casa. Abandonou tudo: escola, emprego, amigos. Estava sempre triste. Deitado, prestava atenção em todos os barulhos. Seu coração só batia acelerado. Seus olhos nem piscavam olhando para o teto.
Certa noite, acordou no meio de uma enorme escuridão. Gritou. Seus irmãos correram para o quarto com velas na mão.
-O que houve Jorge? Que grito foi esse?
-Por que está tudo escuro?
-Acabou a energia elétrica.
-Eu pensei que eu tinha morrido.
-Besteira!
-Não é besteira!
-Você não morreu. Vamos dormir.
-Quero uma vela! Uma não, quatro!
-Vou buscar para você na cozinha.
Jorge acendeu todas as velas e ficou deitado suando frio e tremendo. O medo era crescente. Estava com as costas virada para a porta, olhava a parede. Sentiu um vento frio que apagou as velas. Uma voz baixa, sombria, fria e triste disse:
-Jooorge! Joooorge! Jooooooooorge!
Jorge ficou paralisado de medo.
- Jooorge, eu voltei para levar você comigooo.
Jorge mijou nas calças. Seu pavor era imenso. Tentava gritar e não conseguia. Sentiu que algo frio estava perto dele. Uma força tentava virá-lo para o lado da porta. Sua garganta estava seca e a respiração difícil. Sua mente estava tomada pelo medo. Num grande esforço conseguiu gritar.
- Aaaaaaaaaaaaaaaaaiiii!
Novamente seus irmãos correram até o quarto e encontraram Jorge desmaiado no chão. Reanimaram-no.
-O que aconteceu, meu filho?
-Mãe, Jurandir voltou para me levar.
-Como é que é, meu filho?
Jorge contou-lhe a história.
-Eu não quero morrer, mãe.
Os dois se abraçaram chorando. O dia amanheceu. Logo mais uma noite chegou. Conforme as horas iam avançando, o coração batia mais rápido. A mãe de Jorge contou para todos da casa o que estava acontecendo. Jorge pediu que seus irmãos dormissem com ele no mesmo quarto. Os três irmãos não queriam. Mas a insistência da mãe e o olhar desesperado de Jorge acabaram convencendo a todos. Armaram as camas no quarto de Jorge e todos se recolheram para dormir. Toda a casa dormia, menos Jorge.
Estava novamente de costas para a porta olhando a parede. As luzes do corredor se apagaram e antes que Jorge pudesse esboçar uma reação ele ouviu a mesma voz da noite anterior. Baixa, triste e fria.
- Jooorge! Joooorge! Eu voltei para levar você comigooo.
O coração de Jorge, disparado, parecia que ia explodir dentro do peito. Sentia que tentavam fazê-lo se virar para a porta. Sua mente desordenada tentava uma oração. Não conseguia. Sentia seu corpo molhado, frio, trêmulo.
-Jooorge! Não resistaaa. Você já pertence ao outro laaadooo.
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaiii!
O grito de Jorge acordou todos da casa. Ele desmaiara e nada o fazia voltar a si. No dia seguinte, ele acordou pálido e viu sua mãe ao seu lado.
-Jorge, meu filho.
Jorge estava magro demais.Algo lhe sugava as energias. Morria aos poucos. Desesperada, sua mãe chamou um médico que nada diagnosticará de errado. Receitou vitaminas e um psiquiatra . Um padre, amigo da família, foi chamado. O padre decidiu levar um grupo de oração para rezar pela alma do Jurandir e pedir para que ele deixasse Jorge em paz.
Ele não se alimentava, só ficava olhando para o teto e murmurava sem parar:
- Eu não quero morrer. Eu não quero morrer.
Oito horas da noite, o padre e os fiéis chegaram. Entraram no quarto de Jorge e rezaram durante horas. No final, o padre disse que tudo se resolveria. Alegre, a mãe de Jorge o deixou só. Jorge olhava para o teto sem piscar. A noite avançava. O vento frio entrou no quarto, fazendo o corpo de Jorge tremer.
-Jooorge, não luteee. Venha comigo00. Você pediu e rezou muito para iiissooo. Não tem jeitooo. Vaaaamos agoooooora.
No outro dia, sua mãe o encontrou morto na cama.