O Pacto Maldito - José Cláudio da Silva

Sexta-feira, um grupo de amigos está num bar conversando e bebendo cerveja. Todos são motoqueiros. O assunto da conversa é a notícia do jornal que dizia que morria pelo menos um motoqueiro por dia no trânsito. Todos têm pelo menos um conhecido que morreu em acidente com moto. 

- É o maior mistério se há vida após a morte. 
- Ninguém voltou para dizer o que realmente tem do outro lado. 
-Eu tenho a maior curiosidade em saber como é do outro lado. Sem morrer, é claro. -Vamos fazer um pacto? 
-Qual? 
- Se um de nós morrer, voltará para dizer como é o outro lado – disse Jurandir. 
- Você está louco! Quero distância deste assunto. 
-Como é, ninguém topa? 
-... .
-Nem você, Jorge? 
-Não sei...
-Você não tem curiosidade? 
-Todo mundo tem. 
-Então? 
-Não me coloque nisso! Um dos amigos já se manifestou.
-Eu topo – disse Jorge. 
-Que fique só entre os dois. Falou outro dos motoqueiros.
-Certo. 

Longe dali o relógio da igreja marcava meia-noite. Passaram a falar de mulheres e futebol. As horas avançaram e todos voltaram para suas casas. Mais uma semana de trabalho. Outros encontros no bar e o assunto não voltou mais a ser discutido. 

Meses depois, quando estavam no bar, Jorge chegou correndo apavorado. 
- Sabem quem morreu num acidente com a moto? 
-Quem? 
-Jurandir! 
-Nossa! Onde foi? 
-Em Guarulhos. Ele bateu na traseira de um caminhão. 
-Onde está o corpo? 
-No velório do Cemitério da Lapa. 
-Vamos para lá. 
- Vocês se lembram da nossa conversa sobre vida após a morte. 
-É mesmo. Vocês combinaram que quem morresse viria dizer ao outro se há algo após a morte. Pura besteira de bêbados. 
-Será besteira mesmo? 
-Não sei.. Mas deixa disso! - Vamos ao velório nos despedir do amigo. 
-Eu não vou. 
-Está com medo? 
-Não. 
- Então vamos. 

Pegaram as motos e foram para o velório. 
Chegando lá, Jorge tremia. Aproximaram-se do caixão. Cumprimentaram a mãe e o pai do Jurandir. As conversas nos pequenos grupos tinham a morte como assunto. Jorge, branco como um papel,falou do pacto com o amigo. Um do grupo disse: 

-Vá até o caixão. Coloque a mão no pé direito dele e reza um Pai Nosso. Assim ele não voltará. Jorge caminhou até o caixão. Disfarçando, colocou a mão no pé do morto e rezou. Não um, mas dez. 

-Será que dará certo? 
-Não. 
-Por que? Eu fiz o que você disse! 
-Você segurou o pé esquerdo do morto e isto significa que você quer ir com ele. Você rezou para isso. Confirmou o trato e ele não só virá lhe dizer como é, mas também levará você com ele para o outro lado. 

Jorge sentiu o mundo girar. Quase desmaiou. 
Jurandir foi enterrado. Jorge não compareceu ao enterro. Os amigos não ficaram chateados porque entenderam o medo dele. Quando saiu do cemitério, Jorge foi até a igreja da Lapa. Passou o dia inteiro rezando e fazendo promessas. A noite chegou e o pegou ainda na igreja. Jorge voltou para casa. 

- Jorge, onde você esteve o dia inteiro? Você não foi ao enterro do Jurandir? Jorge se benzeu. 
- Fui, mãe. Só não quis olhar de perto. 
- Venha jantar. 
- Não estou com fome. 
- Você está se sentindo bem? 
-Está tudo bem, mãe. 

Os irmãos de Jorge chegaram comentado sobre a morte do Jurandir. Pálido, Jorge foi para o quarto. Entrou, acendeu a luz e se deitou. O tic-tac do relógio o deixava nervoso. Tirou as pilhas do relógio para ele parar de trabalhar. Aos poucos a casa foi ficando silenciosa. 

Dois meses se passaram. Jorge não se alimentava, não dormia direito. Não saía mais de casa. Abandonou tudo: escola, emprego, amigos. Estava sempre triste. Deitado, prestava atenção em todos os barulhos. Seu coração só batia acelerado. Seus olhos nem piscavam olhando para o teto. 

Certa noite, acordou no meio de uma enorme escuridão. Gritou. Seus irmãos correram para o quarto com velas na mão. 

-O que houve Jorge? Que grito foi esse? 
-Por que está tudo escuro? 
-Acabou a energia elétrica. 
-Eu pensei que eu tinha morrido. 
-Besteira! 
-Não é besteira! 
-Você não morreu. Vamos dormir. 
-Quero uma vela! Uma não, quatro! 
-Vou buscar para você na cozinha. 

Jorge acendeu todas as velas e ficou deitado suando frio e tremendo. O medo era crescente. Estava com as costas virada para a porta, olhava a parede. Sentiu um vento frio que apagou as velas. Uma voz baixa, sombria, fria e triste disse: 

-Jooorge! Joooorge! Jooooooooorge! 

Jorge ficou paralisado de medo. 

- Jooorge, eu voltei para levar você comigooo.

Jorge mijou nas calças. Seu pavor era imenso. Tentava gritar e não conseguia. Sentiu que algo frio estava perto dele. Uma força tentava virá-lo para o lado da porta. Sua garganta estava seca e a respiração difícil. Sua mente estava tomada pelo medo. Num grande esforço conseguiu gritar. 

- Aaaaaaaaaaaaaaaaaiiii! 

Novamente seus irmãos correram até o quarto e encontraram Jorge desmaiado no chão. Reanimaram-no. 

-O que aconteceu, meu filho? 
-Mãe, Jurandir voltou para me levar. 
-Como é que é, meu filho? 

Jorge contou-lhe a história. 

-Eu não quero morrer, mãe. 

Os dois se abraçaram chorando. O dia amanheceu. Logo mais uma noite chegou. Conforme as horas iam avançando, o coração batia mais rápido. A mãe de Jorge contou para todos da casa o que estava acontecendo. Jorge pediu que seus irmãos dormissem com ele no mesmo quarto. Os três irmãos não queriam. Mas a insistência da mãe e o olhar desesperado de Jorge acabaram convencendo a todos. Armaram as camas no quarto de Jorge e todos se recolheram para dormir. Toda a casa dormia, menos Jorge. 

Estava novamente de costas para a porta olhando a parede. As luzes do corredor se apagaram e antes que Jorge pudesse esboçar uma reação ele ouviu a mesma voz da noite anterior. Baixa, triste e fria. 

- Jooorge! Joooorge! Eu voltei para levar você comigooo.

O coração de Jorge, disparado, parecia que ia explodir dentro do peito. Sentia que tentavam fazê-lo se virar para a porta. Sua mente desordenada tentava uma oração. Não conseguia. Sentia seu corpo molhado, frio, trêmulo. 

-Jooorge! Não resistaaa. Você já pertence ao outro laaadooo. 

-Aaaaaaaaaaaaaaaaaiii! 

O grito de Jorge acordou todos da casa. Ele desmaiara e nada o fazia voltar a si. No dia seguinte, ele acordou pálido e viu sua mãe ao seu lado. 
-Jorge, meu filho. 

Jorge estava magro demais.Algo lhe sugava as energias. Morria aos poucos. Desesperada, sua mãe chamou um médico que nada diagnosticará de errado. Receitou vitaminas e um psiquiatra . Um padre, amigo da família, foi chamado. O padre decidiu levar um grupo de oração para rezar pela alma do Jurandir e pedir para que ele deixasse Jorge em paz. 

Ele não se alimentava, só ficava olhando para o teto e murmurava sem parar: 

- Eu não quero morrer. Eu não quero morrer. 

Oito horas da noite, o padre e os fiéis chegaram. Entraram no quarto de Jorge e rezaram durante horas. No final, o padre disse que tudo se resolveria. Alegre, a mãe de Jorge o deixou só. Jorge olhava para o teto sem piscar. A noite avançava. O vento frio entrou no quarto, fazendo o corpo de Jorge tremer. 

-Jooorge, não luteee. Venha comigo00. Você pediu e rezou muito para iiissooo. Não tem jeitooo. Vaaaamos agoooooora. 

No outro dia, sua mãe o encontrou morto na cama.

Agora é Lei: Toda mulher tem direito a acompanhante maior de idade em consultas, exames e cirurgias

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