Aos que não podem ir ver com os olhos da carne as terras e os costumes alheios, reserva-se um prazer, um tanto ilusório, mas, ainda assim, suficiente para almas de boa tempera: é a narração dos viajantes poetas. Diante de um livro de viagens, escrito por um poeta, o homem reparte-se; deixa em casa a outra de Xavier de Maistre, e vai todo nas asas da imaginação aos lugares per lustrados pelo escritor. Estou no caso; e não poucas vezes tenho empreendido excursões dessa natureza. Devo dizer que sou em extremo exigente: não quero perder de vista o viajante de modo tal que o livro me pareça romance; nem tê-lo tão presente que me faça crer que estou lendo uma autobiografia.
Quero o viajante em um meio termo, desaparecendo, quando é a vez da natureza, dos costumes, ou dos fatos, e aparecendo quando se torna preciso apreciá-los ou explicá-los. Apesar do título restrito e das desculpas do prefácio, o Itinerário de Paris a Jerusalém é, em algumas páginas, um livro para fazer sentir, e está perfeitamente no caso. Sempre que li a passagem do poeta pelo solo de Esparta, senti com ele a veneração e o respeito diante da última ruína da pátria de Licurgo. Não sei que mola oculta me fazia voltar aos tempos que se foram e me punha diante dos heróis antigos. Igual comoção me tomou diante do tumulus do cantor de Ilion. As coisas e os monumentos são de si veneráveis e poéticos; mas, se uma pena mágica os não retratasse e referisse, é certo que os sentimentos se revelariam tíbios e por metade. E já que falo do Itinerário, deixem-me citar o autor, em apoio do que asseverei acima. Tanto é verdade que o escritor não deve ser açodado em aparecer de contínuo nas suas narrativas, que o próprio Chateaubriand lá diz no prefácio — que o desculpem de falar muitas vezes de si, mas é que não intentava dar aquelas páginas à publicidade.
Estas considerações vêm muito a propósito encabeçando a Peregrinação pela província de S. Paulo, do sr. A. E. Zaluar, onde o preceito é, a tempo, respeitado com severidade e infringido com muita frequência. Todavia, não esqueçam a natureza do livro; não é precisamente um livro de viagem, escrito com a intenção e no ponto de vista das obras desta natureza. É uma coleção de cartas, lavradas à proporção que o poeta visitava um município; no lugar em que descansava, à noite, anotava as impressões recebidas durante o dia. É propriamente um itinerário, mas um itinerário de poeta, onde o rio, a floresta, a montanha, não passam sem o tributo da poesia e do coração. Pede a verdade que se diga — que quando o poeta avista a natureza, dá-lhe a saudação devida, mas de cima do seu cavalo; não se apeia para penetrar nela. Vê-se que ele tem pressa de chegar à pousada, e que antes de lá chegar tem uma estrada para examinar, e uma reflexão econômica ou administrativa a fazer. Esta última observação é toda em louvor da obra do sr. Zaluar.
Os que gostam de sentir os influxos da poesia, que as florestas de nossa terra oferecem, lá encontram, com que satisfazer o espírito; mas, atravessando rapidamente os municípios da província de S. Paulo, o poeta nunca perde de vista o fim e a causa da viagem. Era então redator do Paraíba, e, escrevendo em cartas as suas impressões, tinha por fim apontar nas colunas daquela folha, que tão importante era, muitas questões de ordem prática, resolver algumas, suscitar outras, enfim tirar das suas excursões uma base para estudos futuros de incontestável proveito e oportunidade. Se por circunstâncias que não vêm a pelo esmerilhar, a folha de Petrópolis cessou, e o fim do jornalista viajante ficou malogrado, nem por isso as cartas perderam do que valiam e do que poderiam valer. As questões suscitadas ou estudadas são especiais aos lugares e aos tempos; existem hoje do mesmo modo e com a mesma importância. Nem o autor as restringe; quando as indica, tira os corolários gerais e procura ampliar os seus estudos pela universalidade das aplicações. É portanto, um livro atual e genérico. Isto no que respeita às considerações de ordem prática. No resto, como já disse, há muito que apreciar.
Os desenhos rapidamente lapisados, à proporção que as telas naturais passavam à ilharga do poeta; as lendas poéticas dos lugares introduzidas com felicidade no livro; o estudo dos costumes, a história dos edifícios, tudo isso se acha travado de modo a estabelecer a diversão para interessar mais o leitor. Não se perca de vista o título destas linhas: é uma simples notícia bibliográfica. Nem o tempo, nem os meios intelectuais me dão lugar, para coisa melhor. Sou obrigado a terminar, remetendo os leitores para a obra, e afirmando-lhes que não se hão de arrepender. Tenho por inútil uma recomendação mais calorosa.
Quando um escritor de talento consegue a justa nomeada do sr. A. E. Zaluar, o próprio nome é a sua recomendação. O sr. A. E. Zaluar não descansa; é um trabalhador infatigável. Compreende que o talento obriga e não se esquece nunca de que tem uma missão a desempenhar. Pode estar certo de que, tarde ou cedo, deste ou daquele modo, terá o proveito das tenacidades conscienciosas.