Quincas Borba - Machado de Assis - Fuvest 2021 - Capítulo 35
AS senhoras casadas eram bonitas; a mesma solteira não devia ter sido feia, aos vinte e
cinco anos; mas Sofia primava entre todas elas.
Não seria tudo o que o nosso amigo sentia, mas era muito. Era daquela casta de
mulheres que o tempo, como um escultor vagaroso, não acaba logo, e vai polindo ao
passar dos longos dias. Essas esculturas lentas são miraculosas; Sofia rastejava os vinte
e oito anos; estava mais bela que aos vinte e sete; era de supor que só aos trinta desse o
escultor os últimos retoques, se não quisesse prolongar ainda o trabalho, por dois ou três
anos. Os olhos, por exemplo, não são os mesmos da estrada de ferro, quando o nosso
Rubião falava com o Palha, e eles iam sublinhando a conversação... Agora, parecem
mais negros, e já não sublinham nada; compõem logo as coisas, por si mesmos, em letra
vistosa e gorda, e não é uma linha nem duas, são capítulos inteiros. A boca parece mais
fresca. Ombros, mãos, braços, são melhores, e ela ainda os faz ótimos por meio de
atitudes e gestos escolhidos. Uma feição que a dona nunca pode suportar, — coisa que o
próprio Rubião achou a princípio que destoava do resto da cara, — o excesso de
sobrancelhas, — isso mesmo, sem ter diminuído, como que lhe dá ao todo um aspecto
mui particular.
Traja bem; comprime a cintura e o tronco no corpinho de lã fina cor de castanha,
obra simples, e traz nas orelhas duas pérolas verdadeiras, — mimo que o nosso Rubião
lhe deu pela Páscoa.
A bela dama é filha de um velho funcionário público. Casou aos vinte anos com
este Cristiano de Almeida e Palha, zangão da praça, que então contava vinte e cinco. O
marido ganhava dinheiro, era jeitoso, ativo, e tinha o faro dos negócios e das situações.
Em 1864, apesar de recente no ofício, adivinhou, — não se pode empregar outro termo,
— adivinhou as falências bancárias.
— Nós temos coisa, mais dia menos dia; isto anda por arames. O menor brado
de alarma leva tudo.
O pior é que ele despendia todo o ganho e mais. Era dado à boa xira; reuniões
freqüentes, vestidos caros e jóias para a mulher, adornos de casa, mormente se eram de
invenção ou adoção recente, — levavam-lhe os lucros presentes e futuros. Salvo em
comidas, era escasso consigo mesmo. Ia muita vez ao teatro sem gostar dele, e a bailes,
em que se divertia um pouco, — mas ia menos por si que para aparecer com os olhos da
mulher, os olhos e os seios. Tinha essa vaidade singular; decotava a mulher sempre que
podia, e até onde não podia, para mostrar aos outros as suas venturas particulares. Era
assim um rei Candaules, mais restrito por um lado, e, por outro, mais público.
E aqui façamos justiça à nossa dama. A princípio, cedeu sem vontade aos
desejos do marido; mas tais foram as admirações colhidas, e a tal ponto o uso acomoda
a gente às circunstâncias, que ela acabou gostando de ser vista, muito vista, para recreio
e estímulo dos outros. Não a façamos mais santa do que é, nem menos. Para as despesas
da vaidade, bastavam-lhe os olhos, que eram ridentes, inquietos, convidativos, e só
convidativos: podemos compará-los à lanterna de uma hospedaria em que não houvesse
cômodos para hóspedes. A lanterna fazia parar toda a gente, tal era a lindeza da cor, e a
originalidade dos emblemas; parava, olhava e andava. Para que escancarar as janelas?
Escancarou-as, finalmente; mas a porta, se assim podemos chamar ao coração, essa
estava trancada e retrancada.
Agora é Lei: Toda mulher tem direito a acompanhante maior de idade em consultas, exames e cirurgias
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