Os pardais - Bernadete Almeida

Esforçou-se para se levantar da cama. A noite de sono passou sem lhe deixar descanso. Arrumou a cama com dificuldade, pensou em coar para si um café, No caminho para a cozinha, ainda com a camisola de algodão, bordados delicados, tão velha quanto ela, olhou os objetos na estante da sala. Presentes feitos por amigos que já se foram. Via-os finalizando cuidadosamente os objetos artesanais. Havia algum carinho em tudo aquilo. ela conferia valor e respeito às coisas.

Antes que o café descesse lentamente pelo filtro de pano, ouviu os pardais. Já estavam ali, como sempre, saudando, sem pudor, a vida. Mas eram muitos e se juntavam, olhando para a porta por onde ela sairia. Tantos, tantos eram que, com seus biquinhos, numa louca festa, a ergueram. E ela subindo, subindo em direção ao sol vigoroso da primavera.

Enquanto ascendia, agora em paz, lembrou-se dos sobrinhos que ajudara a cuidar, por anos. Adultos formados, estabelecidos, não a visitavam mais. Nem se preocupavam se tinha o suficiente para uma vida digna. Perdoou, num sorriso amplo, tornando-se leve até sumir entre as nuvens.

Uma vizinha viu de sua janela. Mas suas palavras e ideias não tinham peso algum pela redondeza. Calou-se para sempre, guardando para si o que lhe pareceu bonito demais, igual às histórias bíblicas.
Os pardais ainda cantam por lá.

Os pardais, de Bernadete Almeida, in Singularidade das palavras, Grupo Editorial Scortecci, 2019.

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