Almas Partidas (Prólogo) - Hadara Fênix

Vinhedo dos Ortegas, 1880

O vento gélido soprava a cortina fina de cetim, deixando entrar um pouco de brisa no quarto abafado.
Não que estivesse calor, muito pelo contrário. Era, talvez, a noite mais fria de sua vida e no entanto a mais sufocante, a mais densa, a mais aterradora.
A cama forrada de palha era mais dura que o chão do estábulo, mas imensamente mais confortável do que aqueles olhos verdes frios que a olhavam com desprezo, enquanto ela, quase sem forças, lutava para trazer ao mundo o pequeno ser que nela habitava. Seu pequeno milagre, que logo seria arrancado de suas entranhas
levando consigo seu coração... E também sua alma...
__Força sinhá, o nenê tá quase chegando!
Regiane mal reconheceu o rosto de sua fiel amiga e ex-escrava de seu pai português.
Crescera com ela, brincara com ela, sofrera com ela e agora, partiria sozinha, sem sua querida amiga para ampará-la.
__Sinhá! Empurra com força que agora sai!
Se não estivesse tão exausta e apavorada, daria risada. Por um momento chegou a esquecer daqueles olhos frios que a encaravam tão hostilmente.
Uma contração mais forte quase partiu-lhe ao meio e, como só a natureza é capaz, o milagre se fez.
__É um menino, sinhá. Veja como é forte.
O choro ávido por vida era como canção de liberdade para seus ouvidos.Mesmo que a liberdade fosse tão triste...
Regiane estendeu os braços para o filho, seu pequeno e forte herdeiro de todo o vinhedo dos Ortegas, mas, para seu desespero, Marcos, seu colérico marido,antecipo-se e tomou-lhe o pequeno rebento.
__ Apesar de sua traição, esse menino tem o meu sangue e pertence a mim. Quanto a você, amanhã pela amanhã partirá dessa casa para sempre.
Regiane tentou se levantar. A placenta ainda em seu corpo. A longa camisola branca de mangas compridas empapada de suor e sangue.
___Devolva meu filho! Sua voz era apenas um sussurro.__Jamais traí você. Por favor, acredite em mim...
__A sinhá é inocente, sinhozinho. Isso tudo é malvadeza daquela sua madrasta malvada.
Marcos voltou-se para Adélia, a fiel companheira  de sua esposa traidora. Seus olhos escureceram. Lá fora, um trovão anunciava uma grande tempestade iminente.
__Saia! Ou amanhã pela manhã você também deixará essa casa.
__Com muito gosto, sinhozinho.
__Assim seja!
Marcos, com seu pequeno herdeiro nos braços, deixou o quarto num tropel, levando consigo toda  a esperança de sua esposa acusada injustamente.
__O que farei sem meu bebê, sem meu amor?
__Não chore, sinhá. Ele vai vê que estava errado e vai corrê direitinho pra te pedir perdão.
Regiane estava pálida. Lágrimas desciam silenciosas pelo seu rosto,no mais sofrido exalar de solidão.
__Não vai... Sei que não... Ele é orgulhoso demais e eu nunca deveria ter conversado tão amigavelmente com o primo dele.Uma conversa apenas e não tenho mais lar, marido, meu filho...
A voz de Regiane foi sumindo lentamente e, de repente, ela não sentia dor ou frio.Tudo parecia silencioso e calmo agora.
__Sinhá? Adélia deixou o banquinho de madeira à frente de Regiane e foi até sua cabeceira.
Tocou-lhe a testa banhada de suor frio.
Lá fora, um trovão ensurdecedor não foi capaz de encobrir o grito de terror vindo do quarto da senhora do castelo.

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