A Fera que era Bela - Ane Braga

Era preciso comer. Não sabia de onde vinha tamanha fome, mas não podia evitar.

Desde que saíra daquele ovinho e se deparara com aquela folha verdinha e de penugem tão convidativa, algo lhe dizia para comer, comer e comer. E, embora tão pequenina, afinal era só uma larvinha, tinha uma fome enorme. Uma fome de fera. Uma fome que aumentava cada vez mais de intensidade, principalmente agora que ela era uma lagarta, apenas uma lagarta...
No Parque da Água Branca, em São Paulo, às margens do Lago Preto, laguinho onde até hoje os patos nadam cercados por plantas e árvores, morava a Lagartinha.
Ela, sempre quietinha, era assunto diário dos outros bichinhos do Parque, os quais não se cansavam de comentar como um bichinho tão pequenino podia comer tanto e não fazer mais nada da vida.
Até a dona Tanajura, uma formiga muito sociável, reclamava da comilança da Lagartinha.
– Parece uma fera – dizia ela – no que era acompanhada pelos outros bichinhos.

Dia após dia era a mesma história: a Lagartinha comia sem parar e os bichinhos reclamavam na mesma medida.
Numa manhã ensolarada, enquanto crianças brincavam no parquinho acima do lago e adultos faziam caminhadas, os bichinhos se reuniram no Bosque das Palmeiras para falar mal da Lagartinha.
– Vocês viram até que horas a Lagartinha ficou comendo?Será um milagre se até o outono existir alguma folha de aroeira em todo Parque! – reclamou a Cortadeira, a formiga mais faladeira da vida dos outros que existia no Parque da Água Branca.
– Já será um milagre se ainda houver uma folha de urtiga por aqui, quanto mais de aroeira! – replicou o gafanhoto, todo mal humorado, afinal ele também precisava manter a barriga cheia!

De repente, rolando ladeira a baixo, o Tatu-bola gritou:
– Venham rápido! A Lagartinha ficou presa na teia da Tecedeira!
– Isso que dá comer tanto – rebateu logo a Tanajura, apressando-se para acompanhar o Tatu-bola que não parava de rolar.
– Decerto a Tecedeira encontrou um belo almoço! – completou o louva-deus, seguindo de perto a Tanajura.

Mesmo reclamando, os bichinhos foram correndo para o local onde o Tatu-bola havia encontrado a Lagartinha, um pé de urtiga bem encostado à margem do lago.
A Lagartinha, outrora tão cheia de listras coloridas, parecida com um arco-íris, agora estava toda envolta em uma lã esbranquiçada, presa, sem comer nada.
O Tatu-bola, antes mesmo de parar de rolar, foi logo gritando para a Tecedeira:
– Solta a Lagartinha que ela não incomoda ninguém!
– Quem?Eu? – perguntou indignada a sempre sensata aranha. —Não fiz nada com a Lagartinha! E se vocês prestassem atenção ao que acontece a seu redor, saberiam a diferença de um casulo para um novelo de minha teia!
Resmungando, deu as costas ao grupo reunido e foi providenciar um almoço menos substancial, afinal ela estava de dieta.

Enquanto isso, os bichinhos arrependidos de falarem tão mal da Lagartinha, continuaram parados, olhando para aquela casa enrolada onde estava a Lagartinha.
Os insetos passaram a se perguntar quem era a Lagartinha afinal, como ela havia aparecido no Parque e porque nunca fizera amizade com os outros insetos.
Chegaram à triste conclusão de que eles nunca se interessaram de verdade pela solitária Lagartinha.
Viam-na apenas como um bicho que comia e dormia, sem fazer qualquer outra coisa da vida.

Dias se passaram e os bichinhos continuavam olhando para o casulo, a espera de um milagre, só saindo de vez em quando e ainda assim, um de cada vez, para buscarem comida.
Foi numa manhã ainda mais ensolarada e brilhante que o milagre aconteceu.
Enquanto as crianças brincavam no parquinho, homens e mulheres faziam suas caminhadas e os patos nadavam no lago, o casulo da Lagartinha foi se rompendo lentamente e de dentro dele, diante de uma plateia de pequenos insetos de olhos esbugalhados, saiu uma linda e colorida borboleta.



Ane Braga 

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